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[INTRODUÇÃO] Desde 2015, o Brasil se mantém como o terceiro país do mundo com a maior população prisional. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, somando todos os regimes, no primeiro semestre do ano passado o Brasil registrava 773.151 mil pessoas privadas de liberdade. Desse total, 504.108 mil presos respondiam por crimes contra o patrimônio. Em São Paulo, estado que concentrava, à época, 239.976 mil aprisionados, segue a mesma tendência nacional: a maior parte dos apenados, 43,78%, também foram condenados por crimes contra o patrimônio. De acordo com o relatório analítico do estado publicado pelo INFOPEN, 219.860 mil presos são do sexo masculino, 105.857 têm entre 18 e 29 anos e 135.900 se autodeclaram pretos ou pardos. Nesse cenário, o presente trabalho se dedica a examinar a hipótese da permanência de ideias cientificamente superadas, como a eugenia, expressas – de modo velado – pelo Poder Judiciário no formato de decisões judiciais condenatórias de que são alvo, majoritariamente, homens negros de 18 a 29 anos, conforme evidenciam os dados acima reproduzidos. Remontando teses advindas do século XIX, período que classificava os pobres e negros como “classes perigosas”, a divergência na postura adotada pelos magistrados a depender da raça e condição socioeconômica do réu contribuem para a compreensão de que, ainda atualmente, a pobreza associada à raça conflui para formar o perfil do criminoso. O comportamento dos juízes foi observado a partir de um mensurador: a comparação de tipos penais cuja distinção não se restringe à tipificação legal, pois os delitos aqui estudados se diferenciam pelas circunstâncias nas quais o ato é efetivado, o valor envolvido, o perfil socioeconômico dos autores, a maneira como seus atores são vistos diante da sociedade e, principalmente, o tratamento que recebem do Poder Judiciário – seja pela ausência de condenação, num caso, seja pela desproporcionalidade da pena arbitrada em razão da gravidade conferida ao delito, no outro caso. Trata-se dos crimes contra a ordem econômica e tributária, furto e furto qualificado que, embora se assemelhem quanto à natureza patrimonial e à ausência de caráter violento, divergem em aspectos sociais importantes – fato que viabiliza a análise ao fornecer subsídios úteis para o reconhecimento de vieses eugenistas. [METODOLOGIA] O estudo utiliza uma abordagem metodológica mista que compreende o estudo de 964 sentenças em processos de primeira instância do Poder Judiciário do estado de São Paulo acerca dos crimes contra a ordem econômica e tributária, furto e furto qualificado, além de levantamento bibliográfico e análise de dados estatísticos. [RESULTADOS] De acordo com os resultados, há evidente efeito da variável crime sobre o resultado, sugerindo que a probabilidade de condenação por crime do colarinho branco, controladas as demais variáveis, é de 90% menor que a do crime de furto. [CONCLUSÃO] Espera-se, com este trabalho, que os dados trazidos possam ser úteis à discussão quanto ao papel do judiciário na manutenção e fomento do encarceramento em massa, fenômeno cuja efetividade tem sido duramente questionada, pois, embora o aumento do nível de encarceramento não tenha necessariamente resultado em queda da criminalidade e maior sensação de segurança para a população – principal justificativa pela qual ganha defensores –, continua sendo praticado e estimulado. Por fim, deve-se salientar que esta pesquisa corrobora outros estudos sobre o papel do Poder Judiciário e da Justiça Criminal no sentido de o criminoso ter cor, endereço e renda conhecida, isto é, os pretos, periféricos e pobres.