A Farsa da Participação Popular na Câmara Municipal de São Paulo

Autor(es): 

Gabriela de Brelàz e Mário Aquino Alves

Ano: 

2013

Artigo em foco: O Processo de Institucionalização da Participação na Câmara Municipal de São Paulo: uma Análise de Audiências Públicas do Orçamento (1990-2010)
 
Desde 1990, a Câmara Municipal de São Paulo é obrigada a realizar anualmente pelo menos duas audiências públicas para discutir o orçamento da cidade, a peça legislativa mais relevante a ser aprovada no ano. No entanto, essa abertura para participação tem sido realizada de maneira terapêutica, incorporando e tutelando a sociedade civil, de acordo com Gabriela de Brelàz, da Universidade Federal de São Paulo, e Mário Aquino Alves, da FGV-EAESP, autores do estudo “O processo de institucionalização da participação na Câmara Municipal de São Paulo: uma análise de audiências públicas do orçamento (1990-2010)”, publicado na RAP-Revista de Administração Pública.
 
Os autores analisaram 14 mil páginas de notas taquigráficas referentes a 252 audiências públicas e reuniões técnicas realizadas no período de 1990 a 2010, levantaram 209 artigos de jornal a respeito do tema e fizeram 23 entrevistas para avaliar como se dá a participação da sociedade na aprovação do orçamento. Eles concluíram que pouco tempo é dado às manifestações da sociedade civil, não há possibilidade de diálogo e as audiências públicas acabam virando um espaço de coleta de demandas que são atendidas conforme a orientação individual dos parlamentares que participam do processo – o que é próprio de um sistema clientelista.
 
Nas audiências públicas realizadas pela Câmara, o presidente da Comissão de Finanças e Orçamento (CFO) ou o relator do orçamento costumam abrir a sessão. Em seguida, dá-se a apresentação do secretário ou representante do Executivo. Posteriormente, os vereadores da comissão de finanças podem fazer seus questionamentos, seguidos dos demais vereadores da casa. O Poder Executivo responde aos questionamentos e, no final – e muitas vezes faltando pouco tempo para o término da audiência –, abre-se a palavra para representantes da sociedade civil, que, para se manifestarem, têm de se inscrever em uma lista e têm o direito de falar por cerca de três minutos.
 
Pela dinâmica da audiência, não há direito a réplica ou tréplica por parte da sociedade civil, o que, de acordo com os autores do estudo, não favorece uma discussão qualificada sobre políticas públicas, aplicação e execução orçamentária. Os representantes da sociedade civil agem como observadores e interagem em um sistema tutelado pelo Poder Legislativo, que realiza as audiências em horários de baixo potencial de participação, chama principalmente cidadãos de suas bases parlamentares e solicita que as demandas sejam enviadas por escrito.
As demandas, por sua vez, servem para legitimar as emendas dos próprios vereadores. “As demandas da sociedade civil funcionam como um verniz sobre as emendas a serem incluídas no orçamento”, afirmam os pesquisadores. Dessa forma, o Poder Legislativo usa a participação dos cidadãos como forma de se estabelecer e ganhar força na sua relação conflituosa com o Poder Executivo e, assim, conquistar legitimidade para a realização das emendas.
 
Brelàz e Alves verificaram que predomina uma “cultura do espetáculo” nas audiências, que se caracteriza pela simulação: “Há uma representação enganosa da democracia e uma farsa da cultura de participação, em que o cidadão crê que participa e que é um ator do sistema político, quando na verdade não passa de um espectador”.
 
A conclusão dos pesquisadores é que a Câmara “abriu-se” para manter a própria ordem, e não para transformá-la. Não se estabeleceu um sistema participativo de fato”, afirmam. Houve um aumento de “participação” da sociedade civil nos últimos anos, mas isso foi decorrente do término do orçamento participativo e da redução do papel das subprefeituras – criou-se um vácuo institucional, e a interação com a sociedade tornou-se ainda mais clientelista, de acordo com Brelàz e Alves.
 
Para os autores do estudo, é necessário, entre outros aspectos: primeiro, repensar o papel das audiências públicas do orçamento; segundo, abrir a discussão pública durante a formulação do orçamento (e não somente quando ele está pronto e aberto apenas a emendas); terceiro, ampliar o debate por temas; quarto, garantir que a discussão seja feita em profundidade com conselhos setoriais, temáticos e de gestão; quinto, implementar outros espaços participativos, como conselhos de representantes nas subprefeituras; e sexto, abrir canais de diálogo que extrapolem a presença física na Câmara “e que permitam aos cidadãos de uma cidade com as dimensões de São Paulo participar não apenas como telespectadores passivos do palco das audiências, mas como cidadãos ativos”. 
 
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