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Artigo em foco: Democracia, Arenas Decisórias e Política Econômica no Governo Lula
Os Estados que passaram por processos recentes de democratização enfrentam hoje um dilema. De um lado, o modelo de integração internacional impõe a necessidade de gerar confiança e credibilidade para os mercados financeiros com relação à capacidade de solvência governamental, e, portanto, restrições fiscais. De outro lado, maior liberdade de expressão das demandas populares por políticas redistributivas empurram os governantes em outra direção. Ao definirem seus rumos, os governos precisam levar em conta as exigências do mercado e as demandas mais amplas da sociedade.
A pesquisadora Maria Rita Loureiro, da área de administração pública e governo da FGV-EAESP, fez uma análise dessa questão com base na experiência brasileira. Loureiro procurou distanciar-se das pesquisas econômicas tradicionais, especialmente na área de finanças públicas, que muitas vezes supõem que a lógica democrática traz obstáculos ou constrangimentos à “racionalidade econômica” e às iniciativas de ajuste fiscal. “Ao contrário, argumentamos que a democracia permite melhorar a qualidade das políticas públicas, tornando-as mais representativas e próximas às demandas sociais, e aumentando, assim, a probabilidade da eficácia de sua implementação”, afirma a pesquisadora.
Recorrendo à história brasileira das últimas décadas, a pesquisadora enfatiza que foi sob o regime democrático que se alcançou o ordenamento das contas públicas legadas em profunda desordem pela ditadura militar. Nas décadas de 1980 e 1990, foram realizadas reformas institucionais destinadas ao ordenamento das contas públicas, de modo geral bem-sucedidas, como a unificação dos orçamentos, a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, a estabilização monetária, a reestruturação do sistema bancário público e privado. A partir de 1999, instaurou-se uma política de geração de superávits primários que tem servido de garantia de solvência para o mercado, também consolidando, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, medidas mais severas de controle dos gastos e do endividamento público, particularmente para os governos subnacionais.
No primeiro governo Lula, a política macroeconômica caracterizou-se pela continuidade em relação à orientação predominante no governo FHC, e a política fiscal, em particular, foi marcada pela intensificação do nível do superávit primário e ainda por propostas de déficit nominal zero. Todavia, o segundo governo apresentou mudanças, com o lançamento do programa de aceleração do crescimento (PAC), a expansão do sistema de crédito consignado para bens de consumo, a ampliação dos programas de transferência de renda, a concessão de aumentos reais para o salário mínimo, além de novas contratações e aumentos salariais para o funcionalismo público. Tais mudanças indicam que a política fiscal deixou de ser apenas um instrumento de garantia de solvência para os credores (credibilidade financeira) e adquiriu também o papel de instrumento de política de crescimento econômico e de melhoria da distribuição de renda.
Essa mudança ocorreu quando o governo já havia conseguido provar aos investidores que iria cumprir as promessas efetuadas durante a campanha de 2002. Enquanto o Banco Central manteve-se impermeável na condução da política monetária, o governo abriu-se para negociações democráticas nas políticas fiscais. Conseguiu desafiar a visão convencional não só ao afirmar que “é possível ter uma aceleração do crescimento mantendo a inflação sob controle”, mas também ao inverter na prática a seguinte fórmula: em vez de extremado ajuste fiscal ser a condição para o crescimento, é o crescimento que fortalece o equilíbrio fiscal. O maior crescimento, aumentando as receitas públicas, permitiu manter a agenda de superávits primários necessários à diminuição progressiva da relação dívida/PIB e à sustentação da credibilidade no mercado financeiro, e também gerou recursos para um relativo aumento dos investimentos públicos, sem necessidade de redução de gastos correntes (em pessoal, programas sociais, como o Bolsa Família, e previdência social).
“O governo transformou as políticas sociais em políticas econômicas”, avalia Loureiro. A expansão do consumo permitiu expandir a produção e gerar crescimento econômico. Para a pesquisadora, provou-se que o bem-estar dos pobres não é apenas um problema para a caridade privada ou para os programas assistenciais que recebem verbas residuais do orçamento público. Ele se transforma em fonte decisiva de crescimento econômico.
No entanto, a tendência de mudança na agenda fiscal chega até o limite em que não ameace o interesse dos grupos “rentistas”, pois permanece a dependência estrutural do Estado em relação ao setor financeiro para a rolagem da dívida pública interna de curtíssimo prazo. Na composição desses interesses incluem-se até mesmo fundos de pensão de importantes segmentos sindicalizados da classe trabalhadora brasileira, como os bancários e os petroleiros, que são base de sustentação do próprio Partido dos Trabalhadores.
Assim, as políticas sociais e de desenvolvimento econômico só avançam até o limite em que não contrariam a credibilidade exigida pelo mercado financeiro. A despeito desse limite, eles não deixam de fazer diferença na configuração política e econômica do país na última década.
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