O Show das Fraudes Corporativas

Autor(es): 

Thomaz Wood Jr. e Ana Paula Paulino da Costa

Ano: 

2012

Artigo em Foco: Ações Substantivas e Simbólicas na Criação e Condução de uma Fraude Corporativa: O Caso Boi Gordo
 
Como as fraudes corporativas acontecem? Thomaz Wood Jr., professor titular da FGV-EAESP, e Ana Paula Paulino da Costa, professora da Unifesp, realizaram um estudo de um notório caso de fraude corporativa ocorrido no Brasil: o da empresa Boi Gordo.
Fundada em 1988, a Boi Gordo lançou um pretenso sistema inovador de investimento. Estabelecia um contrato por arroba e prometia, com o dinheiro, comprar e engordar bezerros. Ao final de 18 meses, a empresa garantia ao investidor uma rentabilidade de 42%, muito acima das alternativas de investimento na época. Era uma taxa inalcançável, mas que atraiu um grande contingente de aplicadores. Em 2001, quando a empresa pediu concordata, contava com 30 mil investidores. Nenhum destes, até hoje, recuperou o dinheiro, desviado para a compra de fazendas e para o enriquecimento do controlador da empresa, Paulo Roberto de Andrade.
 
Para os autores do estudo, publicado nos Cadernos Ebape.br, a fraude só pode ser compreendida se for vista como processo que envolveu três etapas: concepção, implantação e manutenção. 
 
Para a concepção da fraude, contribuíram diversos fatores. O primeiro relaciona-se a uma peculiaridade do setor agropecuário: a cultura de confiança. O próprio controlador afirmava que sua empresa era “superlastreada em confiabilidade”. O segundo fator relaciona-se a uma lacuna no marco regulatório. O negócio, que mesclava investimento financeiro e atividade agropecuária, era desconhecido. O terceiro fator relaciona-se às características do controlador da empresa: ambicioso e capaz de articular uma imagem ao mesmo tempo tradicional, moderna e sofisticada para seu negócio.
 
O passado de Paulo Roberto de Andrade não ficou em evidência no momento em que criou a Boi Gordo. Entre 1966 e 1989, ele havia sido processado nove vezes, tendo sido condenado em dois processos e cumprido pena de oito anos de reclusão. Um desses processos envolvia uma empresa, criada por ele e seus irmãos, que oferecia rendimentos acima do mercado em contratos de investimento atrelados à variação de ouro. A empresa fora acusada de estelionato e crime contra a economia popular.
 
Andrade soube manipular a sua imagem e a de seu negócio, por meio do que os autores chamam de “ações simbólicas”. Ao mesmo tempo que aconteciam “ações substantivas”, com a criação e a implementação de esquemas para gerar a fraude, foi contratada uma assessoria de comunicações e realizada uma campanha promocional que destacava o pioneirismo, o emprego de tecnologia de ponta, a rentabilidade, a tradição e a imagem empreendedora do controlador. As fazendas da empresa foram cedidas para a filmagem da novela “O rei do gado”, da Rede Globo, e o protagonista foi contratado para comerciais da Boi Gordo.
 
Uma vez construída a reputação, esta ajudou a neutralizar ou dar novos significados para os sinais negativos que poderiam surgir. Assim, quando a empresa usou a diversificação para avançar com o processo fraudulento, essa ação estratégica foi percebida como sinal de pujança de um grande grupo empresarial. Da mesma forma, quando a empresa precisou fazer um grande leilão de matizes, o que, de fato, comprometia o futuro do negócio, o evento foi promovido e percebido como sinal de prestígio e de poder do controlador.
 
O uso de ações simbólicas viabiliza a realização de fraudes e pode prolongar sua existência. Isso é claro em outros casos famosos de fraudes corporativas perpetradas pela alta gestão. A Enron, por exemplo, possuía e divulgava um exemplar código de ética; Bernard Madoff cultivava uma imagem de filantropo e sábio investidor; a Daslu associou sua imagem ao luxo e ao bom gosto; e o Banco Santos se promovia como uma instituição competente e tecnologicamente avançada, enquanto Edemar Cid Ferreira, seu controlador, cultivava uma imagem de sofisticação cultural e de mecenas das artes.
 
A ruptura se dá, argumentam os autores do estudo, quando há uma dissociação entre substância e imagem. Quando ficam claras as contradições e aumenta a pressão externa, não é mais possível manter a imagem artificialmente construída. Novas medidas são tentadas para ocultar os desvios, mas, então, não há mais ações simbólicas que possam preservar a imagem da empresa e dos controladores, e evitar o fim do esquema fraudulento.
 
Entre em contato com o professor Thomaz Wood Jr.
 
Conheça as pesquisas realizadas pelo professor Thomaz Wood Jr.