'Mulheres no Volante - Você Trabalha ou só Dirige?': uma análise das relações de trabalho por aplicativo no contexto da precarização

Curso: 

  • CDAE

Área de conhecimento: 

  • Estudos Organizacionais

Autor(es): 

  • Noézia Maria Ramos

Orientador: 

Ano: 

2020

Este estudo teve por objetivo compreender a vivência das mulheres que aderem ao trabalho flexível de motorista de aplicativos, mediados por plataformas digitais, na cidade de São Paulo. Nos últimos anos, as relações de trabalho passaram por inúmeras transformações, afastando-se do modelo tradicional de emprego com vínculo formal e cedendo espaço à informalidade, às terceirizações, bem como a trabalhos flexíveis, em plataforma, por demanda e por aplicativo, foco da pesquisa. Tais mudanças impactaram diretamente as ocupações brasileiras, gerando subempregos e mão de obra desempregada. Em 2019, o Brasil encerrou o ano com 12,4 milhões de desempregados, sendo 53,8% compostos por mulheres. É nesse contexto que surge a oportunidade de trabalhar como motorista de aplicativo, em um novo formato, baseado em um discurso de parceiros e empreendedores de si, com flexibilidade de horário de trabalho adequado às especificidades de cada um, pela proposta de liberdade no trabalho e poder de decisão. Assim, definiu-se como objeto de estudo o trabalho intermediado por aplicativos, com o foco na mulher desempenhando a atividade de motorista. A pesquisa é uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória, fundamentada no paradigma interpretativista, na perspectiva teórica do construcionismo social, seguindo o método de estudo indutivo e tendo a grounded theory por estratégia de pesquisa. A coleta e a análise dos dados foram realizadas em três fases, por meio de 30 entrevistas em profundidade, conforme o processo de codificação inicial, focalizada, seletiva e axial, de maneira recursiva, seguindo orientações de Charmaz (2009). Quanto aos dados empíricos encontrados na pesquisa, evidencia-se como principal motivação para a adoção do trabalho via aplicativos a questão financeira, seguida do sentimento de empoderamento pela liberdade e autonomia, do desejo por novas experiências e da fuga do vazio existencial após aposentadoria. A dinâmica de trabalho é desgastante, completando mais de 10 horas diárias sem descanso e com períodos de sono em torno de quatro horas por noite. Os aplicativos adotam políticas de preço dinâmico, incentivos com base na quantidade de corridas ou nos valores alcançados, com envio de chamadas de corridas antes de concluir a viagem em curso. Há um discurso recorrente de felicidade e satisfação com esse formato de trabalho que contradiz os relatos de vivências diárias envolvendo completa exploração, isolamento social com perda constante de amigos, frequência de dores pelo corpo (coluna, joelho, pulso, ombro, quadril) e indícios de adoecimento físico e psicológico, inclusive com casos de motoristas que abandonaram esse modelo de trabalho e não conseguem mais dirigir, em função de crises de pânico e ansiedade provocadas por falta de segurança em áreas perigosas, de risco, com favelas, sem monitoramento e com acesso ao suporte somente por e-mails. Apesar de ter havido algumas melhorias, as motoristas continuam fazendo corridas às cegas, com total desconhecimento do destino e o agravante de serem aceitos cadastros de pessoas sem identificação por foto e com pagamento em dinheiro. Dessa forma, esta pesquisa contribui com a temática por meio de um modelo teórico-empírico da dinâmica do cotidiano das motoristas de aplicativos que se delineia em um processo de precarização das relações de trabalho. O modelo demonstra a conexão que o cenário social e profissional tem como influenciador para que as mulheres se sintam atraídas a conhecer o novo formato que se apresenta como totalmente adequado às suas necessidades de flexibilidade. No entanto, ao correlacionar a situação em que se encontram, assim como a centralidade e importância que o trabalho absorve, sentimentos divergentes podem ser gerados: de um lado, satisfação e sentido de pertença, de outro, a resiliência para suportar as dificuldades devido à ideologia de que “sucesso é igual a sacrifícios”. Contudo, também se identificou nesse processo um comportamento pequeno, mas existente, de não aceitação do contexto do trabalho, que se mostra promissor nos embates, mas conduz à desistência de alguns, seja por acometimento de doenças, seja pela percepção e rejeição do cenário precarizado e explorador.

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